terça-feira, 8 de dezembro de 2015

13. Eu amei o vento



Lembro do início. Foi ele que veio a mim. Todo romântico, seus olhos penetrantes, suas palavras medidas e bem colocadas a cada soneto que saia de sua boca. Por um momento eu desacreditei. Não pode ser verdade. Aquele velho desamor por si mesmo em pensar que você nunca vai atrair "alguém tão perfeito assim." Mas o que é o perfeito senão uma ilusão criada por nós mesmo.

Todo dia um "bom dia". Todo dia era algo diferente e inesperado que me enchia de alegria. Eu já vi o futuro, nos casando, tendo filhos, sendo uma família como qualquer outra, feliz! Eram promessas de vir me ver que me levava nas alturas. Quem era você? Por que eu nunca te encontrei antes? Era tanto que eu começava a desconfiar, porém ele sempre fazia algo que me fazia acreditar naquilo tudo de novo.

Quando ele começou a ser menos frequente. Falava que estava ocupado com algo. Sempre uma desculpa que, na verdade, poderia até ser verdade. O que era uma conversa o dia inteiro, virou uma conversa noturna. Fiquei ansiosa, desconfiada, mas nunca deixei de acreditar naquilo tudo. Afinal, se ele ainda conversava comigo, é porque ele ainda queria algo.

Mas então tudo mudou. Ele sumiu. Sem falar nada, sem deixar recados. Fiquei preocupada, alguma coisa devia ter acontecido. Tentei ligar e mandar mensagem, nada. E eu nunca desistia. Os dias passaram e de vez em quando ele mandava uma simples mensagem pedindo desculpa e sumia de novo. É o vento que vem chamando a chuva e vai embora deixando o clima seco e quente.

Na verdade, é que eu me sinto presa, sempre sentada esperando o vento voltar trazendo a chuva e o clima agradável. Só queria que um dia o vento me levasse com ele.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

12. Quatro horas


Foto de Christian Hopkins

  Sentado na privada de um box do sanitário masculino, o cheiro ríspido de urina seca me faz ter enjoos a cada inalação. Eu não quero sair daqui, tenho medo... medo do tempo acabar... e ele passa tão rápido.
   Faz três semanas que recebi um dom no qual vem transformando minha vida em um inferno. Eu vejo um como se fosse um cronômetro em cima de uma pessoa, antes eu não sabia o que essa contagem regressiva significava, até eu seguir alguém no qual algo estava prestes a acabar. A cada passo, o cronômetro regressava um segundo e faltavam cinco minutos para eles, cada segundo me deixava mais ansioso. Era um casal de homens, um casal que passou no lugar errado e na hora errada. Cai no chão, perplexo ao ver que eles foram agredidos sem motivo algum.
    Era isso o meu dom? Prever quando alguém seria agredido.
   Uma vez tentei ajudar, porém, ao olhar no espelho, percebi que esse pensamento fazia com que um cronômetro aparecesse em mim. Isso me encheu de medo, eu não queria ser agredido, fiquei me sentindo impotente, incapaz. Eu sabia que algo iria acontecer, mas eu não podia ajudar.
   Hoje de manhã, acordei com uma sensação estranha. Me olhei no espelho e vi um cronômetro sob minha cabeça, mas esse era diferente. Ele me dizia que em quatro horas algo iria acontecer e, a cada segundo, ele mudava de cor.
    Indo para a faculdade, eu entrei em desespero, faltavam meia hora. Foi assim que eu vim parar aqui, sentado num box de um sanitário da rodoviária para fugir do meu destino. Mas o cronômetro não parava. Liguei para meu amigo me socorrer.
   
   Uma batida na porta do box. Abro a porta e começo a chorar.

   "Por que tá chorando, Gabriel?"
   "Por que eu não quero apanhar, não quero sofrer violência."
   "E por que isso aconteceria?"
   "Por que eu sou..." O cronômetro para e continuo a frase com toda minha convicção. "...gay."

   Todo dia vários homossexuais sofrem agressão e só por ser eles mesmo. No meu caso, o agressor era eu mesmo. Mais negação só iria me levar a mais sofrimento. Nunca mais negarei o que sou. Eu enfrentei meu agressor, agora ajudarei os outros a enfrentar os deles.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

11. Apenas um termo

Imagem de Enrico Elle, retirada de Carla Arismendi Unger

  Quando se envelhece, tudo muda. Você aposenta, passa o dia em casa fazendo nada, vivendo no ócio na reflexão de se viverá amanhã. Minha sorte é que tenho Elora, minha filha. Linda garota com seus quatro anos, transmite alegria aos meus dias e me dá motivos para permanecer vivo. As pessoas me perguntam: "E sua família?"
   A única que me resta é Elora.
   Ela é muito esperta e muita atenta comigo. Se ela me ver triste, logo vem radiante pra me chamar pra passear no parque, ela sabe que a brisa e o cantar dos pássaros me alegram. É como se eu entrasse em um outro mundo, um lugar tranquilo, único, longe do barulho caótico de gente nervosa da cidade grande.
   Nunca esquecerei... Foi num sábado. Sim. Sábado, dia oito de Novembro. Estava andando com minha filha em direção à padaria. O ar estava denso, me senti sufocado a cada passo. Paramos na faixa de pedestre e começou a chover, lembro que Elora choramingou e beijou a minha mão. Meu coração embrulhou. Um som estridente ecoou, como se um monstro estivesse chegando em alta velocidade para me atacar. Soltei Elora e gritei para ela fugir. Depois, só me lembro de murmúrios e do choro preocupado de minha filha e logo adormeci.
   Eu já vi de tudo e não há nada mais pra ver, a vida fica mais fácil quando se vê nada, a vida é mais suportável quando se resume a sons, vira quase que um musical.
   Acordei com um "beep" constante... Já nem sei se "acordei" é a palavra certa para mim. Clamei por Elora, minha estrela-guia, minha filha. Desesperados, os médicos vieram e me disseram para me acalmar. Falei que minha filha estava junto comigo na hora do acidente e eu não a sentia mais perto de mim agora. Um silêncio tomou conta do local. Logo eles falam as palavras mais cortantes que já escutei na vida:
   "Mas não tinha ninguém contigo... Ah. Enquanto dirigíamos a ambulância, uma brava cachorra nos perseguiu por um longo caminho até se perder na estrada. Mas queríamos saber se o senhor tem alguma família para chamar?"
    Elora era minha única família. Agora não me resta mais ninguém. O que é "família" ? O que antes era união e amor, um lar, hoje é só um termo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

10. Amei mais de mil de você



Toda vez que você viaja para o passado, o seu corpo morre no tempo presente para sua consciência viajar e se infiltrar num clone temporal seu.

Eu sempre fui apaixonado por Gabriela, mas nunca tive coragem de falar com ela por medo de fazer algo de errado e perdê-la para sempre. Assim, criei uma máquina do tempo. Falei com ela e perguntei qual era o seu lugar favorito, voltei no tempo e a levei nesse lugar no primeiro encontro, foi assim que a conquistei.

Dei os melhores presentes de aniversário, a dei o casamento dos sonhos, descobri o diagnóstico de câncer com antecedência de sua mãe e consegui tratamento a tempo de salvar sua vida, dei a viagem dos sonhos logo após que ela foi promovida. Sempre soube as escolhas certas para subi na vida e ter uma vida de luxo - mas tudo sempre foi uma mentira cheia de dor e sofrimento.

Um dia soube das consequências da viagem do tempo e parei para pensar o que as Gabrielas que deixei para trás sofreram. Morri nos aniversários, morri dias antes do casamento, morri dias antes de sua mãe morrer de câncer, morri quando ela foi promovida, morri mais de mil vezes para mil Gabrielas diferentes.

Arrependido, deixei um presente e uma carta para ela e fugi para o meu próprio limbo. Na carta eu falava de tudo que fiz e tudo que perdi tentando ser o marido perfeito, todo meu arrependimento. Na carta pedi para que ela não abrisse a caixa sem antes imaginar o que havia dentro. Uma caixa fechada possui várias realidades existindo ao mesmo tempo, a partir do momento que você não sabe o que há dentro dela, tudo pode existir dentro dela. O que ela imaginasse seria a essência do que ela achava de mim.

"Imaginei que havia nada dentro da caixa, não que você seja nada para mim, mas você não é o Felipe que quis conhecer. Se o perfeito não é real, você é utópico. Uma pessoa é projetada através de seus defeitos e era nisso que quis me apaixonar, no que me apaixonei em você? Obrigada pela escolha de voltar no tempo, se isso faço, é para destruir essa máquina e fazer com que uma Gabriela conheça VOCÊ com toda vulnerabilidade. Por essa escolha madura, você se torna sim o melhor marido do mundo."

Sorri. Pois ela achou uma maneira de depois voltar para mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

9. Declínio da falocracia

Imagem de Ham Piglet


15 de Outubro de (não sei mais que ano é esse): 20h31
O mundo acabou, tudo virou um extenso deserto de desespero, solidão e miséria. Me pergunto quais foram os meus feitos e sucessos, o que eu fiz? Passei a minha vida no meu quadrado, vivendo com dinheiro fácil, sexo, drogas, na luxuosa vida de ser excluída da sociedade. É engraçado como os brancos, héteros de olhos azuis da grande elite eram o que pagavam mais pelos meus serviços. Mais engraçado ainda é o fato de que a sedução do meu corpo os enganavam de quem eu realmente era.

15 de Outubro de (não importa que ano é esse): 20h50
Estou numa cabana. Espero pela chegada dos saqueadores, eles estão vindo para terminar de roubar todos os meus pertences: minha vida, minha resiliência e minha coragem. Meu pai não me entendia quando eu era criança, eu não era o menino dos sonhos dele, apenas tinha corpo de um. Foram cinco anos de trabalho para conseguir minha cirurgia e ser quem realmente nasci para ser, porém, a partir desse dia, perdi toda minha utilidade no patriarcado. As mulheres sofriam com o machismo, eu sofri de esquecimento, vítima da vida marginal.

15 de Outubro de 0001: 22h22
Os homens chegaram. Estou escondida no armário. Revirando a minha cabana para puxar o gatilho na minha cabeça. Não, não me arrependo das minhas escolhas, não me arrependo de ter sido corpo estranho no organismo da falocracia. Ainda bem que eu não era importante para esse tipo de sistema. Não preciso de homem pra ser feliz, só precisei do dinheiro deles. Lutei e vivi ao máximo para ter a vida que sempre quis no âmbito da vida dos renegados e vivi bem e cá estou. Vivi meu apocalipse antes mesmo d'eu ter meu gênese e agora trilho no meu êxodo.

Bang! Bang! Bang!

Hoje, não preciso dos homens, nem de seu dinheiro de sangue, roubo o que eles roubaram de mim. Minha dignidade e minha honra. Roubo o que lhes dão a força, a masculinidade. Adeus, falocracia! Agora, anatomicamente, homens, estamos iguais.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

8. Pedra que não rola cria limo

Imagem de Ankitmaster

Todo dia está você a cantar. A brisa vem, toca no seu corpo e emite o doce som que te faz brilhar. Não sei explicar! É como duas estrelas de nêutron a colidir, uma explosão de emoções que faz meu coração acelerar. É como se eu fosse o lobo, você a lua, enamorado por ti, vou ao pico mais alto para uivar. Todo dia está você, toda perfeita, a me encantar.

Com todo o meu esforço, faço o melhor para aproximar. Meu corpo pesado não deixa, me desespero e começo a lastimar. Que destino cruel todo dia eu te ver e não poder de tocar, todo dia te ouvir e não poder, uma serenata, cantar. Sou apenas uma pedra no deserto e você a mais bela miragem a me hipnotizar. Ainda não sei se você é real ou se estou a sonhar.

Um escorpião se aproximou e começou a desembuchar: "Pedra, pedra. Se você não for primeiro. O primeiro vai chegar. Pra que serve uma pedra, se pra nada ela servirá?" Suas palavras eram facas, ferido, comecei a chorar. Quem sou eu? Um inútil. Quem sou eu? Inapto a amar.

Logo a águia veio, mas veio para me animar. "Pedra que não rola cria limo. Polido, plante uma semente no seu coração e floresça, vai até o limite, vai até onde o seu coração mandar. Quando chegar, role, e não pare de avançar. Pra que serve uma pedra se não na trilha de alguém ele também trilhar."

Levantei do meu banco, e comecei a andar. Perguntei seu nome e ela respondeu: "Silvia". E esse nome, na minha mente, começou a ecoar. "Me chamo Fernando, me desculpa, não parava de te olhar." Ela me perguntou o por quê e respondi: "Porque se Sol fosse tu, eu seria o mar. Todo dia vejo você refletir e toda noite me pego a te esperar e me pergunto se ela irá voltar. Todo dia você vem no mesmo lugar que eu, compra o mesmo sorvete que eu gosto também de me deliciar. Deixa eu comprar teu sorvete, se uma conversa você puder me dar."

No caminho dela, a vida me fez rolar. Pedra que não rola cria limo, então sempre rolarei até te encontrar. Amei, amo, amarei e você me amará?

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

7. Penúria




Pintura de Kelly Hill

Na janela do meu quarto, cantava o sabiá. Eu queria tentar acompanhar, mas eu não sabia assobiar. O canto era lindo, a melodia contagiante e com o tempo, seu cantarolar se tornou mais precioso que o diamante. Mas ele morava escondido, dentro da mangueira, eu o ofereceria um sorriso se eu o encontrasse de bobeira. Como era lindo aquele sabiá que só morava no meu imagético?

Sei que o meu amor um tanto cresceu, queria provar meu amor, um eros que nem de Orfeu. Queria tocar uma serenata, mas meu dedos são lentos. Talvez pintar um quadro, mas, de criatividade, não sou sedento. O que fazer, se nem rima eu sei? Será que eu como eros, Thanatus encontrei?

Em busca de alimento, eu o vi.. ele voou. Como um cair de maçã, uma ideia me despertou. A árvore é inútil e o sabiá não precisa dela inteira, vou quebrar alguns galhos, destruir essa mangueira. Oh! Esse ninho é pequeno, não é digna de um cantor, vou construir uma casa a ele com bastante esplendor. Quando ele voltar, irá me agradecer, mais lindo será seu canto, mais radiante irei de viver.

Ao voltar, o sabiá chorou, triste ele voou e nunca mais voltou. Por três dias eu me trancafiei, tentando entender no que de errado tinha o presente que dei. Gritei:

"Por que, sabiá? Por que me abandonou? Todo amor que dei foi nada? Recebo só esse angustioso terror?"

Assim, ele surgiu e respondeu:

"Não foi amor que me deu, isso é longe de amar. Destruiu o meu refúgio, construiu uma bela cadeia só para me comprar. Meu ninho era tudo o que eu tinha e você destruiu, como te amar quando o egoísmo foi tudo que seguiu? O amor é só o de belo, não a feiura, tudo isso foi prisão. Pura penúria."

domingo, 27 de setembro de 2015

6. O peso do agora

                                                                  Pintura de Spazuk

Acordo e ele me olha, seus olhos negros e esbugalhados parecem que nunca piscam, esfrego os meus olhos e penso: "Quando você vai me deixar em paz?" Seu olhar me paralisa, preciso ir pra faculdade e preciso me fingir de morto na cama até que vá embora. O atraso é uma escolha, afinal a pressa é inimiga da perfeição.

Exaltado na rua, parece que fica alegre num lugar tão cheio de oportunidades. Maior, mais imponente, mais assustador. Seus olhos negros viram pavorosas órbitas de supernova, é um brilho no olhar tão intenso, como se tivesse bolando vários milhões de planos para me atazanar.

Ando na rua olhando todos os lugares a cada passo que dou. Cada barulho é um sinal de alerta e uma breve história de terror que passa em minha mente. Quando chego onde eu deveria estar, choro mentalmente em alívio, mas nenhum lugar é seguro, pois ele sempre está por perto.

Tem dias que seu peso fica imensurável, sobe nos meus ombros e me enlouquece com suas palavras. Eu juro que ele é real, mas ninguém o vê, ninguém o escuta. Na loucura, me encontro em lágrimas e hibernação.

Eu só queria saber quem é ele? Por que só eu? Eu tô ficando louco? Eu só queria que as pessoas o vissem para saber que não é assim tão fácil.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

5. O puro instinto carnal


Pintura de Rodrigo Silva

Três dias à deriva. O barco é pequeno, só há eu, irmã Lucrecia e um eterno tapete azul navegador. Sinto fome, sede, desespero, medo, meu rosto secar e minha líbido me consumir. A comida acabou, a água é só a do mar, as noites estão extremamente geladas, não há outra cor além do azul por quilômetros em direção ao horizonte e a freira é casada com Cristo. Não sei se morro logo, se espero inerte pela morte ou se persisto e morro mais tarde.

A loucura embarcou no quarto dia. Os olhos verdes de Lucrecia me deixavam com ojeriza, dentro deles eu via todos os desejos carnais circulando na mente dela e no reflexo de seus glóbulos, eu me via. Porém, seu corpo santo aprisionava tudo que era de impuro e que, ao meu ver, precisava se libertar. Suas palavras se direcionavam ao divino e as minhas não passavam de um monólogo onde só eu escutava.

Minha visão já estava perturbada no quinto dia. Eu via Lucrecia, santa, ajoelhada em milho, rezando por resgate num momento, no outro, eu via Lucrecia de lingerie clamando por um resgate mais interno. Delírio. Miragem. Meus instintos carnais aflorados. Eu precisava consumir aquela mulher. Mas iria valer a pena? Qual a punição pra quem suja a alma de um freira?

No sexto dia, minha persona selvagem entrou em cena. Era sobrevivência ou morte. Tudo ou limbo. Com uma lasca solta do barco na minha mão, me impulsionei em direção a Lucrecia. Lentamente ela abriu os seus olhos e eu vi o desespero e a sua certeza de que era o fim. Num movimento de 180º, deferi um golpe certeiro no seu olho direito. Seu grito de dor era como apunhaladas. Logo, deferi o golpe fatal no seu olho esquerdo. Silêncio. Levantei vitoriosa e livre sob o mar de sangue. Agora, no barco, só há uma.

Afinal das contas. Eu nunca quis ser freira.

No sétimo dia, eu fui resgatada por um navio que navegava por perto. No sétimo dia, Lucrecia descansou.



quinta-feira, 17 de setembro de 2015

4. Eu (Só)fia

pintura de Cris S. Koester

Sofia ama Carlos, mas Carlos ama a si mesmo. Ela ama seus olhos, sua boca, suas tímidas covinhas e seus músculos, ele assentia e falava que realmente era tudo muito perfeito. Sofia sofria por amar uma estátua ambulante, um poço egocêntrico de músculos. Ela parou de amar e voltou ao MySpace para reclamar sua carência.

Sofia ama José, mas José ama o mistério. Ela ama seu jeito calado, seu tempo presente e seu sotaque sulista, ele agradecia pelos elogios e permanecia em silêncio sobre seu passado. Sofia só ria de sua ingenuidade de estar com um sujeito que era José, mas poderia ser um João ou um Joaquim. Ela parou de amar e voltou ao Orkut para reclamar sua carência.

Sofia ama Gabriel, mas Gabriel ama a Antropologia. Ela ama seu cabelo ajeitado, suas roupas estilosas e seu perfume doce, ele ficava vermelho e sorria, logo falava de seus estudos. Sofia só lia e não entendia nada, viu que nesse livro ela não se encaixava nem com rimas. Ela parou de amar e voltou ao Facebook para reclamar sua carência.

Sofia ama Fábio, mas Fábio ama sua superioridade. Ela apenas ama tê-lo como seu parceiro, ele grita com ela, manda ela pra cozinha pra fazer comida e pegar mais cervejas. Logo ela entendeu. O término foi sua enfim dolorosa liberdade. Agora Sofia ama (Só)fia e ela clama nas redes sociais que ela não precisa de homem nenhum para ser feliz.

3. Nosso amor era um jogo de palavras




Senti sem ti e vi que a vida dá ao coração cor a ação de amar o mar. Separei-me da pá e serei eu mesmo desenterrado da terra. Retirei-me de ti e tornei rei e me amarei e que tu voltes para a terra que me enterrastes.

Lá da pá, suas palavras, únicas como o ás, soam como um ode de desculpa. Ao seu lado, um destilado de culpa me corrompe. Logo, caí ao chão e retornei à prisão, sem a pá, meu riso de defunto. Não penso em mim mesmo, lidei sua luz com esmo e tornei meu próprio carrasco, me sucumbindo com asco.

A luz do Sol é meu lar, porém com sua presença é solidão, sem ti é lucidez. Lúcido, demando clareza na sua incerteza de que caído, não terei pá e chão para me segurar e, assim, seguir na infinita cova rasa de esquecimento.

Pedi à Deus e me entreguei por inteiro sem notar que a única coisa que eu precisava ver estava em seu meio, a única coisa que eu realmente precisava valorizar. Pois quando se vai a idade, tudo vira limbo. Longe da terra, volto a amar o mar, sem ti, volto a me amar.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

2. Sou Pérola de Assunção



Há uma semente dentro de mim, algo vívido, porém doloroso. Sinto no roxo do meu olho e no viscoso líquido vermelho que mergulha de mim para o chão e se mistura com a maldita seiva implantada pela ignorância do homem. Cada cambaleada que dou, sinto o tenebroso olhar das corujas que me julgam em seus arranha-céus. Enfim o tropeço e me derramo em dilúvio sobre o chão frio da selva de pedra.

Há um broto dentro de mim, algo curioso, porém doloroso. Sinto no descansar no meu tão longe ninho, sinto no meu olhar de corsa que chora ao ver seu reflexo na água enquanto bebe, atenta aos predadores, porém destinada sempre ao abate. Na noite, minha carcaça vira mais um número na cota de alimentos dos urubus que sobrevoam com sua hélices e câmeras em busca de mais uma tragédia na pirâmide social.

Há um ramo dentro de mim, algo em ascensão. algo doloroso. Porém nem tudo que está no alto, tende a permanecer. Sou uma torre e meu orgulho são as ruínas. Sinto na minha fadiga de gladiadora cansada de seus milênios, sinto como uma argila rígida que entrou em contato com a água e se desfez em filamentos. Sinto na sombria vergonha, eu imposta como Eva após provar do fruto proibido. Assim eis que vim da costela de Adão, mas antes vim do barro.


Há raízes dentro de mim, algo que me sufoca, algo doloroso. Me forcei a trocar as flores por galhos secos e pedras. Eis que a Pérola voltou a sua concha e se fechou, eis que retornei às profundezas do Tártaro onde também se encontra Ícaro após criar asas e voar até o Sol, até a luz, até seu paraíso. Agora não há mais luz, há desespero, prisão. Há o cheiro ríspido de morte vindo do medo alheio por mim. Quem sou eu? Eis que sou um erro?


Lembro que o santo sempre tentou me impor seus mandamentos. "Oh, Deus! Devolva minhas asas, deixa eu voltar ao meu paraíso, não sou seu erro..."

Sim! Não sou um erro! Ícaro de Assunção não existe mais e não voltará a existir. Sou a joia que embeleza Gaia. Sou o que sou e tenho orgulho e toda Pérola, Vanessa e Viviany sinta também. Somos uma beleza universal e que engulam isso.

Sou Pérola de Assunção e brilho sem a necessidade da sociedade.



1. Um sofá para chamar de lar



  Um tijolo após o outro, um pingo de suor atrás do outro, embaixo de um Sol escaldante de verão, sujo de argamassa em suas mãos. Rubens trabalha todos os dias erguendo lares, um trabalho pesado que faz com que um rapaz de vinte e dois anos tenha cara de trinta e alma de sessenta, mas não é algo que ele reclame. O trabalho é uma das coisas que Rubens mais se foca e se alegra por tê-lo.

  Dois filhos para cuidar, Rubens foi pai aos dezesseis. Ele os ama muito, porém não tem tanto tempo para dar a atenção devida. Foi refém das ruas e levou o amor de sua vida, Silvia, para as aventuras do crack. E assim como um forte soprar do lobo, a morte dela demoliu as estruturas de sua vida. Hoje ele vive para trabalhar com um salário que não é o bastante para sustentar. A família é uma das coisas que Rubens mais zela e se alegra por tê-la.

  Três vezes já foi parar no hospital por se esforçar demais no trabalho, porém, teimoso do jeito que é, nunca diminui seu ritmo. Foi vítima da pobreza e não achou outro caminho a não ser a do crime, roubou vários e matou alguns outros e Rubens não se arrepende, apenas gostaria que tivesse outro jeito de sobreviver.  Hoje ele se alegra com o sorriso que os "doutores" o oferecem ao realizar seus desejos de ter casa própria que ele construiu com suas próprias mãos, mesmo que tenham medo de sua aparência suja de trabalhador. A redenção é uma das coisas que Rubens mais clama e se alegra por tê-la.
  
  Quatro anos com a mesma rotina. Sai do trabalho, pega seus filhos na escola pública, vestem suas roupas apresentáveis e limpas para poder entrar na loja de móveis e senta em um confortável sofá com seus filhos soltos a perambular pelo recinto. Logo nota o olhar de pena dos funcionários e sente a inércia deles. Ao derreter do sofá com o peso de seu corpo, escora sua cabeça no canto e fecha os olhos, assim suspira com o efêmero sentimento de descanso e o lindo e único momento em que se sente "em um lar". Ele volta com seus filhos para o papelão da esquina e se alegra por pelo menos estar vivo.

Esse aviso não é real

Olá, meu nome é Matheus Leonardo e estou iniciando esse projeto.

P: "Que projeto é esse?"

Meu sonho é ser um escritor e escrever algo super legal para que todos leiam! Daí veio a ideia desse livro, "Sem Contos". O projeto é escrever 100 contos curtinhos com humildes ilustrações minhas, quando eu atingir essa meta (eu vou dobrar a meta... brincadeira) eu vou publicar o livro com ilustrações mais bem feitinhas também.

P: "Por que 'Sem Contos'?"

Eu escrevia contos muito longos ultimamente e eu adorava, não conseguia simplificar. Até que um belo comentário chegou aos meus ouvidos: "Que legal que você escreve, só que é muito longo e dá preguiça de ler."
Isso me deixou levemente frustrado.
As pessoas não gostam mais de ler, principalmente na internet. Aí eu quis brincar com o nome "Sem Contos" pois, além de ter a meta dos cem contos, eu quero fazer com que as pessoas entrem no blog pensando que tem algo mais interativos que contos, tem toda uma vida!!! Mentira, foi mais pelo jogo de palavras de "cem" com "sem".

P: "E depois de atingir a meta e lançar o livro?"

Não sei, só que sei que não pararei de escrever e perseguir meu sonho.

Bom, me desejem sorte.