domingo, 27 de setembro de 2015

6. O peso do agora

                                                                  Pintura de Spazuk

Acordo e ele me olha, seus olhos negros e esbugalhados parecem que nunca piscam, esfrego os meus olhos e penso: "Quando você vai me deixar em paz?" Seu olhar me paralisa, preciso ir pra faculdade e preciso me fingir de morto na cama até que vá embora. O atraso é uma escolha, afinal a pressa é inimiga da perfeição.

Exaltado na rua, parece que fica alegre num lugar tão cheio de oportunidades. Maior, mais imponente, mais assustador. Seus olhos negros viram pavorosas órbitas de supernova, é um brilho no olhar tão intenso, como se tivesse bolando vários milhões de planos para me atazanar.

Ando na rua olhando todos os lugares a cada passo que dou. Cada barulho é um sinal de alerta e uma breve história de terror que passa em minha mente. Quando chego onde eu deveria estar, choro mentalmente em alívio, mas nenhum lugar é seguro, pois ele sempre está por perto.

Tem dias que seu peso fica imensurável, sobe nos meus ombros e me enlouquece com suas palavras. Eu juro que ele é real, mas ninguém o vê, ninguém o escuta. Na loucura, me encontro em lágrimas e hibernação.

Eu só queria saber quem é ele? Por que só eu? Eu tô ficando louco? Eu só queria que as pessoas o vissem para saber que não é assim tão fácil.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

5. O puro instinto carnal


Pintura de Rodrigo Silva

Três dias à deriva. O barco é pequeno, só há eu, irmã Lucrecia e um eterno tapete azul navegador. Sinto fome, sede, desespero, medo, meu rosto secar e minha líbido me consumir. A comida acabou, a água é só a do mar, as noites estão extremamente geladas, não há outra cor além do azul por quilômetros em direção ao horizonte e a freira é casada com Cristo. Não sei se morro logo, se espero inerte pela morte ou se persisto e morro mais tarde.

A loucura embarcou no quarto dia. Os olhos verdes de Lucrecia me deixavam com ojeriza, dentro deles eu via todos os desejos carnais circulando na mente dela e no reflexo de seus glóbulos, eu me via. Porém, seu corpo santo aprisionava tudo que era de impuro e que, ao meu ver, precisava se libertar. Suas palavras se direcionavam ao divino e as minhas não passavam de um monólogo onde só eu escutava.

Minha visão já estava perturbada no quinto dia. Eu via Lucrecia, santa, ajoelhada em milho, rezando por resgate num momento, no outro, eu via Lucrecia de lingerie clamando por um resgate mais interno. Delírio. Miragem. Meus instintos carnais aflorados. Eu precisava consumir aquela mulher. Mas iria valer a pena? Qual a punição pra quem suja a alma de um freira?

No sexto dia, minha persona selvagem entrou em cena. Era sobrevivência ou morte. Tudo ou limbo. Com uma lasca solta do barco na minha mão, me impulsionei em direção a Lucrecia. Lentamente ela abriu os seus olhos e eu vi o desespero e a sua certeza de que era o fim. Num movimento de 180º, deferi um golpe certeiro no seu olho direito. Seu grito de dor era como apunhaladas. Logo, deferi o golpe fatal no seu olho esquerdo. Silêncio. Levantei vitoriosa e livre sob o mar de sangue. Agora, no barco, só há uma.

Afinal das contas. Eu nunca quis ser freira.

No sétimo dia, eu fui resgatada por um navio que navegava por perto. No sétimo dia, Lucrecia descansou.



quinta-feira, 17 de setembro de 2015

4. Eu (Só)fia

pintura de Cris S. Koester

Sofia ama Carlos, mas Carlos ama a si mesmo. Ela ama seus olhos, sua boca, suas tímidas covinhas e seus músculos, ele assentia e falava que realmente era tudo muito perfeito. Sofia sofria por amar uma estátua ambulante, um poço egocêntrico de músculos. Ela parou de amar e voltou ao MySpace para reclamar sua carência.

Sofia ama José, mas José ama o mistério. Ela ama seu jeito calado, seu tempo presente e seu sotaque sulista, ele agradecia pelos elogios e permanecia em silêncio sobre seu passado. Sofia só ria de sua ingenuidade de estar com um sujeito que era José, mas poderia ser um João ou um Joaquim. Ela parou de amar e voltou ao Orkut para reclamar sua carência.

Sofia ama Gabriel, mas Gabriel ama a Antropologia. Ela ama seu cabelo ajeitado, suas roupas estilosas e seu perfume doce, ele ficava vermelho e sorria, logo falava de seus estudos. Sofia só lia e não entendia nada, viu que nesse livro ela não se encaixava nem com rimas. Ela parou de amar e voltou ao Facebook para reclamar sua carência.

Sofia ama Fábio, mas Fábio ama sua superioridade. Ela apenas ama tê-lo como seu parceiro, ele grita com ela, manda ela pra cozinha pra fazer comida e pegar mais cervejas. Logo ela entendeu. O término foi sua enfim dolorosa liberdade. Agora Sofia ama (Só)fia e ela clama nas redes sociais que ela não precisa de homem nenhum para ser feliz.

3. Nosso amor era um jogo de palavras




Senti sem ti e vi que a vida dá ao coração cor a ação de amar o mar. Separei-me da pá e serei eu mesmo desenterrado da terra. Retirei-me de ti e tornei rei e me amarei e que tu voltes para a terra que me enterrastes.

Lá da pá, suas palavras, únicas como o ás, soam como um ode de desculpa. Ao seu lado, um destilado de culpa me corrompe. Logo, caí ao chão e retornei à prisão, sem a pá, meu riso de defunto. Não penso em mim mesmo, lidei sua luz com esmo e tornei meu próprio carrasco, me sucumbindo com asco.

A luz do Sol é meu lar, porém com sua presença é solidão, sem ti é lucidez. Lúcido, demando clareza na sua incerteza de que caído, não terei pá e chão para me segurar e, assim, seguir na infinita cova rasa de esquecimento.

Pedi à Deus e me entreguei por inteiro sem notar que a única coisa que eu precisava ver estava em seu meio, a única coisa que eu realmente precisava valorizar. Pois quando se vai a idade, tudo vira limbo. Longe da terra, volto a amar o mar, sem ti, volto a me amar.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

2. Sou Pérola de Assunção



Há uma semente dentro de mim, algo vívido, porém doloroso. Sinto no roxo do meu olho e no viscoso líquido vermelho que mergulha de mim para o chão e se mistura com a maldita seiva implantada pela ignorância do homem. Cada cambaleada que dou, sinto o tenebroso olhar das corujas que me julgam em seus arranha-céus. Enfim o tropeço e me derramo em dilúvio sobre o chão frio da selva de pedra.

Há um broto dentro de mim, algo curioso, porém doloroso. Sinto no descansar no meu tão longe ninho, sinto no meu olhar de corsa que chora ao ver seu reflexo na água enquanto bebe, atenta aos predadores, porém destinada sempre ao abate. Na noite, minha carcaça vira mais um número na cota de alimentos dos urubus que sobrevoam com sua hélices e câmeras em busca de mais uma tragédia na pirâmide social.

Há um ramo dentro de mim, algo em ascensão. algo doloroso. Porém nem tudo que está no alto, tende a permanecer. Sou uma torre e meu orgulho são as ruínas. Sinto na minha fadiga de gladiadora cansada de seus milênios, sinto como uma argila rígida que entrou em contato com a água e se desfez em filamentos. Sinto na sombria vergonha, eu imposta como Eva após provar do fruto proibido. Assim eis que vim da costela de Adão, mas antes vim do barro.


Há raízes dentro de mim, algo que me sufoca, algo doloroso. Me forcei a trocar as flores por galhos secos e pedras. Eis que a Pérola voltou a sua concha e se fechou, eis que retornei às profundezas do Tártaro onde também se encontra Ícaro após criar asas e voar até o Sol, até a luz, até seu paraíso. Agora não há mais luz, há desespero, prisão. Há o cheiro ríspido de morte vindo do medo alheio por mim. Quem sou eu? Eis que sou um erro?


Lembro que o santo sempre tentou me impor seus mandamentos. "Oh, Deus! Devolva minhas asas, deixa eu voltar ao meu paraíso, não sou seu erro..."

Sim! Não sou um erro! Ícaro de Assunção não existe mais e não voltará a existir. Sou a joia que embeleza Gaia. Sou o que sou e tenho orgulho e toda Pérola, Vanessa e Viviany sinta também. Somos uma beleza universal e que engulam isso.

Sou Pérola de Assunção e brilho sem a necessidade da sociedade.



1. Um sofá para chamar de lar



  Um tijolo após o outro, um pingo de suor atrás do outro, embaixo de um Sol escaldante de verão, sujo de argamassa em suas mãos. Rubens trabalha todos os dias erguendo lares, um trabalho pesado que faz com que um rapaz de vinte e dois anos tenha cara de trinta e alma de sessenta, mas não é algo que ele reclame. O trabalho é uma das coisas que Rubens mais se foca e se alegra por tê-lo.

  Dois filhos para cuidar, Rubens foi pai aos dezesseis. Ele os ama muito, porém não tem tanto tempo para dar a atenção devida. Foi refém das ruas e levou o amor de sua vida, Silvia, para as aventuras do crack. E assim como um forte soprar do lobo, a morte dela demoliu as estruturas de sua vida. Hoje ele vive para trabalhar com um salário que não é o bastante para sustentar. A família é uma das coisas que Rubens mais zela e se alegra por tê-la.

  Três vezes já foi parar no hospital por se esforçar demais no trabalho, porém, teimoso do jeito que é, nunca diminui seu ritmo. Foi vítima da pobreza e não achou outro caminho a não ser a do crime, roubou vários e matou alguns outros e Rubens não se arrepende, apenas gostaria que tivesse outro jeito de sobreviver.  Hoje ele se alegra com o sorriso que os "doutores" o oferecem ao realizar seus desejos de ter casa própria que ele construiu com suas próprias mãos, mesmo que tenham medo de sua aparência suja de trabalhador. A redenção é uma das coisas que Rubens mais clama e se alegra por tê-la.
  
  Quatro anos com a mesma rotina. Sai do trabalho, pega seus filhos na escola pública, vestem suas roupas apresentáveis e limpas para poder entrar na loja de móveis e senta em um confortável sofá com seus filhos soltos a perambular pelo recinto. Logo nota o olhar de pena dos funcionários e sente a inércia deles. Ao derreter do sofá com o peso de seu corpo, escora sua cabeça no canto e fecha os olhos, assim suspira com o efêmero sentimento de descanso e o lindo e único momento em que se sente "em um lar". Ele volta com seus filhos para o papelão da esquina e se alegra por pelo menos estar vivo.

Esse aviso não é real

Olá, meu nome é Matheus Leonardo e estou iniciando esse projeto.

P: "Que projeto é esse?"

Meu sonho é ser um escritor e escrever algo super legal para que todos leiam! Daí veio a ideia desse livro, "Sem Contos". O projeto é escrever 100 contos curtinhos com humildes ilustrações minhas, quando eu atingir essa meta (eu vou dobrar a meta... brincadeira) eu vou publicar o livro com ilustrações mais bem feitinhas também.

P: "Por que 'Sem Contos'?"

Eu escrevia contos muito longos ultimamente e eu adorava, não conseguia simplificar. Até que um belo comentário chegou aos meus ouvidos: "Que legal que você escreve, só que é muito longo e dá preguiça de ler."
Isso me deixou levemente frustrado.
As pessoas não gostam mais de ler, principalmente na internet. Aí eu quis brincar com o nome "Sem Contos" pois, além de ter a meta dos cem contos, eu quero fazer com que as pessoas entrem no blog pensando que tem algo mais interativos que contos, tem toda uma vida!!! Mentira, foi mais pelo jogo de palavras de "cem" com "sem".

P: "E depois de atingir a meta e lançar o livro?"

Não sei, só que sei que não pararei de escrever e perseguir meu sonho.

Bom, me desejem sorte.