terça-feira, 10 de novembro de 2015

11. Apenas um termo

Imagem de Enrico Elle, retirada de Carla Arismendi Unger

  Quando se envelhece, tudo muda. Você aposenta, passa o dia em casa fazendo nada, vivendo no ócio na reflexão de se viverá amanhã. Minha sorte é que tenho Elora, minha filha. Linda garota com seus quatro anos, transmite alegria aos meus dias e me dá motivos para permanecer vivo. As pessoas me perguntam: "E sua família?"
   A única que me resta é Elora.
   Ela é muito esperta e muita atenta comigo. Se ela me ver triste, logo vem radiante pra me chamar pra passear no parque, ela sabe que a brisa e o cantar dos pássaros me alegram. É como se eu entrasse em um outro mundo, um lugar tranquilo, único, longe do barulho caótico de gente nervosa da cidade grande.
   Nunca esquecerei... Foi num sábado. Sim. Sábado, dia oito de Novembro. Estava andando com minha filha em direção à padaria. O ar estava denso, me senti sufocado a cada passo. Paramos na faixa de pedestre e começou a chover, lembro que Elora choramingou e beijou a minha mão. Meu coração embrulhou. Um som estridente ecoou, como se um monstro estivesse chegando em alta velocidade para me atacar. Soltei Elora e gritei para ela fugir. Depois, só me lembro de murmúrios e do choro preocupado de minha filha e logo adormeci.
   Eu já vi de tudo e não há nada mais pra ver, a vida fica mais fácil quando se vê nada, a vida é mais suportável quando se resume a sons, vira quase que um musical.
   Acordei com um "beep" constante... Já nem sei se "acordei" é a palavra certa para mim. Clamei por Elora, minha estrela-guia, minha filha. Desesperados, os médicos vieram e me disseram para me acalmar. Falei que minha filha estava junto comigo na hora do acidente e eu não a sentia mais perto de mim agora. Um silêncio tomou conta do local. Logo eles falam as palavras mais cortantes que já escutei na vida:
   "Mas não tinha ninguém contigo... Ah. Enquanto dirigíamos a ambulância, uma brava cachorra nos perseguiu por um longo caminho até se perder na estrada. Mas queríamos saber se o senhor tem alguma família para chamar?"
    Elora era minha única família. Agora não me resta mais ninguém. O que é "família" ? O que antes era união e amor, um lar, hoje é só um termo.