terça-feira, 8 de dezembro de 2015

13. Eu amei o vento



Lembro do início. Foi ele que veio a mim. Todo romântico, seus olhos penetrantes, suas palavras medidas e bem colocadas a cada soneto que saia de sua boca. Por um momento eu desacreditei. Não pode ser verdade. Aquele velho desamor por si mesmo em pensar que você nunca vai atrair "alguém tão perfeito assim." Mas o que é o perfeito senão uma ilusão criada por nós mesmo.

Todo dia um "bom dia". Todo dia era algo diferente e inesperado que me enchia de alegria. Eu já vi o futuro, nos casando, tendo filhos, sendo uma família como qualquer outra, feliz! Eram promessas de vir me ver que me levava nas alturas. Quem era você? Por que eu nunca te encontrei antes? Era tanto que eu começava a desconfiar, porém ele sempre fazia algo que me fazia acreditar naquilo tudo de novo.

Quando ele começou a ser menos frequente. Falava que estava ocupado com algo. Sempre uma desculpa que, na verdade, poderia até ser verdade. O que era uma conversa o dia inteiro, virou uma conversa noturna. Fiquei ansiosa, desconfiada, mas nunca deixei de acreditar naquilo tudo. Afinal, se ele ainda conversava comigo, é porque ele ainda queria algo.

Mas então tudo mudou. Ele sumiu. Sem falar nada, sem deixar recados. Fiquei preocupada, alguma coisa devia ter acontecido. Tentei ligar e mandar mensagem, nada. E eu nunca desistia. Os dias passaram e de vez em quando ele mandava uma simples mensagem pedindo desculpa e sumia de novo. É o vento que vem chamando a chuva e vai embora deixando o clima seco e quente.

Na verdade, é que eu me sinto presa, sempre sentada esperando o vento voltar trazendo a chuva e o clima agradável. Só queria que um dia o vento me levasse com ele.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

12. Quatro horas


Foto de Christian Hopkins

  Sentado na privada de um box do sanitário masculino, o cheiro ríspido de urina seca me faz ter enjoos a cada inalação. Eu não quero sair daqui, tenho medo... medo do tempo acabar... e ele passa tão rápido.
   Faz três semanas que recebi um dom no qual vem transformando minha vida em um inferno. Eu vejo um como se fosse um cronômetro em cima de uma pessoa, antes eu não sabia o que essa contagem regressiva significava, até eu seguir alguém no qual algo estava prestes a acabar. A cada passo, o cronômetro regressava um segundo e faltavam cinco minutos para eles, cada segundo me deixava mais ansioso. Era um casal de homens, um casal que passou no lugar errado e na hora errada. Cai no chão, perplexo ao ver que eles foram agredidos sem motivo algum.
    Era isso o meu dom? Prever quando alguém seria agredido.
   Uma vez tentei ajudar, porém, ao olhar no espelho, percebi que esse pensamento fazia com que um cronômetro aparecesse em mim. Isso me encheu de medo, eu não queria ser agredido, fiquei me sentindo impotente, incapaz. Eu sabia que algo iria acontecer, mas eu não podia ajudar.
   Hoje de manhã, acordei com uma sensação estranha. Me olhei no espelho e vi um cronômetro sob minha cabeça, mas esse era diferente. Ele me dizia que em quatro horas algo iria acontecer e, a cada segundo, ele mudava de cor.
    Indo para a faculdade, eu entrei em desespero, faltavam meia hora. Foi assim que eu vim parar aqui, sentado num box de um sanitário da rodoviária para fugir do meu destino. Mas o cronômetro não parava. Liguei para meu amigo me socorrer.
   
   Uma batida na porta do box. Abro a porta e começo a chorar.

   "Por que tá chorando, Gabriel?"
   "Por que eu não quero apanhar, não quero sofrer violência."
   "E por que isso aconteceria?"
   "Por que eu sou..." O cronômetro para e continuo a frase com toda minha convicção. "...gay."

   Todo dia vários homossexuais sofrem agressão e só por ser eles mesmo. No meu caso, o agressor era eu mesmo. Mais negação só iria me levar a mais sofrimento. Nunca mais negarei o que sou. Eu enfrentei meu agressor, agora ajudarei os outros a enfrentar os deles.