sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

18 - Destruição


Foto retirada do link





  Eu moro em uma cidade localizada em uma colina. Íngreme que só ela. As casas tinham que ser postas sob vigas de madeira para sua estrutura não ser diagonal. Minha irmã ria disso, eu não conseguia. 

   Era um dia antes do casamento. Estava feliz que só ela. Família reunida e todos felizes, eu não conseguia. Eu estava adormecido na cadeira de meu vô, na garagem de nossa casa. Com os meus olhos fechados, sentia a violenta brisa e o barulho da chuva incessante que, depois de um tempo, começara a me preocupar. Lentamente abri meus olhos e cai da cadeira, espantado. Era como se houvesse diversos imensos blocos de água em minha cidade. Como se a água não conseguisse se dissipar, e estava ali aglomerada, gota por gota, uma em cima da outra. Balançava como gelatina, provocando um medo de um imediato perigo local. Um tsunami que poderia assolar a cidade inteira assim que as gotas não conseguissem se empilhar em equilíbrio. 

   Saí na rua, em choque. Em certo local, percebi uma corrente de ar poderosa. Tive que me empurrar para trás para não ser levado para o céu. Era como se o chão tivesse constantemente assoprando e tentando assobiar. Percebi que as gotas de água, ao cair naquele local, não se deparavam com o chão, elas apenas flutuavam e se empilhavam em harmonia. 

   Um titânico barulho retirou minha paz. Uma casa a frente estava se rachando. Um carro tentou sair da casa, mas acabou sendo levado pela corrente de ar. Em minutos, vi o carro voando metros acima. A casa se desvinculou de sua estrutura e estava a voar. Eu não conseguia me mexer, eu não conseguia. A corrente de ar teria parado, eu senti, mas não conseguia explicar o porquê, eu não conseguia. Em instantes, vi um carro caindo em minha frente e uma casa caindo em minha direção. O som do mundo parou para que eu pudesse correr para me salvar. O titânico barulho de destruição cessou minha paz.

     Abri meus olhos. Só eu na rua. Escutei choros animalescos vindo do carro. Atravessei a casa destruída para perceber filhotes saindo ilesos do carro batido. Ao correr para resgate, percebi um rapaz saindo de seu carro. Era um rapaz negro. Ele falava enrolado, parecia inglês, mas com um sotaque diferente que eu não conseguia entender. Eu não conseguia! Em seguida, um outro rapaz retirava o cinto e deitava no asfalto, aliviado pela sua segurança. Seu sotaque britânico me aliviou. Comunicação! Eu conseguia?

     Pedi para que fossem para minha casa por refúgio, afinal, tudo da vida deles teria sido destruído por algo que não conseguia explicar, algo sobrenatural. Com uma feição despreocupada e debochada, eles se encaminharam para meu lar.

      Depois de um tempo, eles estavam brincando e rindo e roubando cerveja da geladeira, despreocupados. Simultaneamente, um bloco de tsunami estaria se formando em frente a minha casa. Eu estava me desmanchando. Preocupando. Chorando. Meu pai teria se aproximado de mim e perguntado quem seriam esses rapazes e pedido para que eu os enxotasse. Eu tentei explicar a situação e fazer ele ver o apocalipse que se instaurava na visão de sua janela. Ele olhou despreocupado e de forma debochada, ignorou minha preocupação e pediu para que eu os enxotasse. Eu Não Conseguia!

       Me aproximei dos gringos e expliquei a situação. Falei "sorry" e os abracei. O britânico me retirou do toque, como se tivesse com raiva ou enojado e se encaminhou para saída, pelo portão da casa. Tentei gritar "não!", para não ir pro bloco de tsunami. Eles abriram o portão e desapareceram dentro d'água. Eu gritei e ajoelhei. Eles estavam mortos? EU NÃO CONSEGUIA!

        Ao lado, minha irmã grita. "Acabou o arroz, os convidados precisam jogar arroz!" Eles entraram no carro. Nesse momento eu já estaria sem reação. Tudo em minha volta era destruição. A minha casa estava começando a se desvincular de sua estrutura. Meu pai perguntou. "Você vem?" Eu não conseguia responder e nem falar o que sentia. Eles partiram em direção à morte e fiquei sozinho com uma casa voando em cima de mim. Parecia que ninguém via a destruição, só eu.

          Mas...
          Mas e se fosse realmente isso.
          E se ninguém via destruição, só eu.
          Me deitei e todos os blocos de tsunami romperam em lágrimas.

sábado, 17 de setembro de 2016

17 - Negação à apostasia do amor



Escrevi cartas pra você e as enviei pelo vento
Eram folhas com palavras diferentes
Eu não sabia o que escrever, nem sabia o que era esse sentimento
Eram páginas abstratas de um passado aparente

Faziam 3 meses, 3 anos, 3 minutos de sua partida
Toda uma história de chegadas e despedidas
Eram jornadas em que você ficava, permanecia
e vários contos em que, aqui, você não pertencia

Todas as vezes que eu te via no carro, dormindo, nas longas viagens
e todas as outras em que cochilava em longas-metragens
Cada sorriso que escapulia
Cada beijo que te roubava, era essa surpresa que você preferia

Ainda dá tempo, não entra no avião
Por favor, lhe peço. Não diga adeus
Fica comigo. Diga que vai não
Será que é tarde para roubar outros eternos beijos seus?

Chegaram cartas para você
Com lágrimas de "eu te amo".

sexta-feira, 20 de maio de 2016

16- Amor tem um só caminho



Ela acordou as 5h30 pensando que já eram 8 horas.
Preparou o café sem perceber ainda era noite lá fora.
Pegou seu celular e viu as fotos do homem que ela namora
e que, porém, não era algo mútuo.
Era o Harry Styles.

De tanto suspirar, ela criou uma nova corrente de ar.
que criou uma pressão mais forte do que a do fundo do mar.
Sem oxigênio no cérebro, seu mundo começou a se atordoar.
Ela teve uma parada respiratória e pensou que isso era amar.
Harry Styles sem saber de nada
continuou sem se importar.

Não respirando e ainda vestindo a camisola de estampa de galinha
recebeu a visita de sua adorável vizinha.
"Ai meu Deus? Você está bem? Quer que eu ligue para alguém, queridinha?"
Pensou no pai, na mãe, até na sobrinha,
mas era o Harry Styles que ela queria.
Em consequência de seu número não achar,
morreu ao som de "Hey Angel" a tocar.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

15- O silêncio é o barulho mais agoniante.



Num pequeno apartamento de uma selva de pedra mora o pequeno Paulo Matheus. Pequeno que só ele, a criança era um poço de beleza inocente, seus lindo cachinhos ruivos refletiam os raios “ultraviolentos” da sociedade dando a ele uma feição eterna de tranquilidade infantil, seu sorriso com falta de dentes era uma janela de contagio em massa de felicidade. Um menino tímido cujo único barulho emitido era a gargalhada.

Mas de onde ele tirava esse barulho?

Paulo vinha de uma família estressada. Pais com um relacionamento turbulento de agressões que gerou numa separação física e no coração. No apartamento morava Letícia, a mãe traumatizada com o passado emocional, entulhada com um trabalho sem fim e contagiada com o recorrente estresse em massa, com traços em seu rosto que denunciava seu cansaço de uma vida de guerreira de uma mãe solteira. Morava também Adão, o ser com cara de joelho sedento por carinho e por leite materno, machucado com um sopro no coração que o fazia chorar de agonia de hora em hora. O barulho recorrente dessa casa eram gritos, berros e choros e as sofridas e tímidas gargalhadas de Paulo Matheus que ninguém sabia de onde surgia.

Numa noite de segunda, o furacão de estresse chegou em casa. A babá pedindo demissão por não aguentar tantos choros, esse sentimento de inutilidade que sentia a atormentava. A mãe chegou aos prantos implorando para ela tentar mais um pouco e recebeu apenas um adeus. Com um sutil movimento carente, Paulo se aproximou em busca de afago, mas a feição vermelha de ódio resultou apenas em gritos e reclamações. Letícia tinha sido demitida e seu ex-marido tinha atrasado a pensão. Depois de tensas horas de choros, a madrugada chegou com o silêncio agoniante de incerteza, era uma intensa dor sonora. Paulo se ajoelhou próximo a janela, fechou os olhos e cantarolou um belo mantra. A selva de pedra não tinha misericórdia, os lobos uivavam “Cala a boca!”, “Esse moleque não tem mãe não? Vai dormir!”


No dia inédito de se escutar um novo barulho de Paulo, nem a ira dos lobos foram capazes de calar a tentativa de afogar sua silenciosa e desesperada tristeza.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

14- Três etapas para auto-aceitação


                                                             Fotografia de André Brito



Se um dia eu tiver a oportunidade de viver outra vez, eu escolheria não. Não porque eu odeio viver, mas qual seria o ponto de viver tudo de novo achando que poderá mudar algo, mas acabar fazendo a mesma coisa? 

Minha vida durou 12 meses. Uma eternidade tentando achar uma maneira de expandir meu tempo de vida e impedir o (in)evitável. Foram 8 dias para pensar em como não entrar na minha crise de identidade, meu momento introspectivo de auto-conhecimento. Viajei à vários ambientes, conheci espécies diferentes, fugi e fugi. Mas foi tudo em vão.

Entrei debaixo de minha coberta e me enrolei até me sufocar com meu ego. Chorei, ri, fiquei com raiva e com medo. Hibernei. A minha vida obscura me deixou com medo. Quem era eu? O que era eu? Pra que eu existia? Foram 3 longos dias na penumbra. 

Logo, decidi me abstrair da minha vida, pensar nos outros, pensar em cada alimento que me sustentou, em cada grão de terra que pisei, em cada brisa me refrescou e em cada perigo que fui salvo. Pensei na vida nos outros e tentei imaginar no que não existia. Comecei a me sentir confortável nessa escuridão quentinha e aconchegante. Mas, após 4 dias, o inevitável.

Eu vi a luz, vi que mudei. Meu corpo estava diferente e eu estava curioso. Comecei a me explorar e ver o que meu corpo era capaz. Logo, veio o medo, a ansiedade de saber que eu estava perto de um fim. Voei para longe, para o mais distante que consegui. Apenas viajei. Conheci outros e outras como eu e explorei, curioso com um corpo ao mesmo tempo igual e diferente ao meu.

Vivi por vários meses e aceitei minha vida, me aceitei. Comecei a me achar a criatura mais bonita do mundo. Minha beleza gerada pela minha segurança fez com que os outros me chamassem de Bela Dama. Essa sou eu, Vanessa, a Bela Dama.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

13. Eu amei o vento



Lembro do início. Foi ele que veio a mim. Todo romântico, seus olhos penetrantes, suas palavras medidas e bem colocadas a cada soneto que saia de sua boca. Por um momento eu desacreditei. Não pode ser verdade. Aquele velho desamor por si mesmo em pensar que você nunca vai atrair "alguém tão perfeito assim." Mas o que é o perfeito senão uma ilusão criada por nós mesmo.

Todo dia um "bom dia". Todo dia era algo diferente e inesperado que me enchia de alegria. Eu já vi o futuro, nos casando, tendo filhos, sendo uma família como qualquer outra, feliz! Eram promessas de vir me ver que me levava nas alturas. Quem era você? Por que eu nunca te encontrei antes? Era tanto que eu começava a desconfiar, porém ele sempre fazia algo que me fazia acreditar naquilo tudo de novo.

Quando ele começou a ser menos frequente. Falava que estava ocupado com algo. Sempre uma desculpa que, na verdade, poderia até ser verdade. O que era uma conversa o dia inteiro, virou uma conversa noturna. Fiquei ansiosa, desconfiada, mas nunca deixei de acreditar naquilo tudo. Afinal, se ele ainda conversava comigo, é porque ele ainda queria algo.

Mas então tudo mudou. Ele sumiu. Sem falar nada, sem deixar recados. Fiquei preocupada, alguma coisa devia ter acontecido. Tentei ligar e mandar mensagem, nada. E eu nunca desistia. Os dias passaram e de vez em quando ele mandava uma simples mensagem pedindo desculpa e sumia de novo. É o vento que vem chamando a chuva e vai embora deixando o clima seco e quente.

Na verdade, é que eu me sinto presa, sempre sentada esperando o vento voltar trazendo a chuva e o clima agradável. Só queria que um dia o vento me levasse com ele.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

12. Quatro horas


Foto de Christian Hopkins

  Sentado na privada de um box do sanitário masculino, o cheiro ríspido de urina seca me faz ter enjoos a cada inalação. Eu não quero sair daqui, tenho medo... medo do tempo acabar... e ele passa tão rápido.
   Faz três semanas que recebi um dom no qual vem transformando minha vida em um inferno. Eu vejo um como se fosse um cronômetro em cima de uma pessoa, antes eu não sabia o que essa contagem regressiva significava, até eu seguir alguém no qual algo estava prestes a acabar. A cada passo, o cronômetro regressava um segundo e faltavam cinco minutos para eles, cada segundo me deixava mais ansioso. Era um casal de homens, um casal que passou no lugar errado e na hora errada. Cai no chão, perplexo ao ver que eles foram agredidos sem motivo algum.
    Era isso o meu dom? Prever quando alguém seria agredido.
   Uma vez tentei ajudar, porém, ao olhar no espelho, percebi que esse pensamento fazia com que um cronômetro aparecesse em mim. Isso me encheu de medo, eu não queria ser agredido, fiquei me sentindo impotente, incapaz. Eu sabia que algo iria acontecer, mas eu não podia ajudar.
   Hoje de manhã, acordei com uma sensação estranha. Me olhei no espelho e vi um cronômetro sob minha cabeça, mas esse era diferente. Ele me dizia que em quatro horas algo iria acontecer e, a cada segundo, ele mudava de cor.
    Indo para a faculdade, eu entrei em desespero, faltavam meia hora. Foi assim que eu vim parar aqui, sentado num box de um sanitário da rodoviária para fugir do meu destino. Mas o cronômetro não parava. Liguei para meu amigo me socorrer.
   
   Uma batida na porta do box. Abro a porta e começo a chorar.

   "Por que tá chorando, Gabriel?"
   "Por que eu não quero apanhar, não quero sofrer violência."
   "E por que isso aconteceria?"
   "Por que eu sou..." O cronômetro para e continuo a frase com toda minha convicção. "...gay."

   Todo dia vários homossexuais sofrem agressão e só por ser eles mesmo. No meu caso, o agressor era eu mesmo. Mais negação só iria me levar a mais sofrimento. Nunca mais negarei o que sou. Eu enfrentei meu agressor, agora ajudarei os outros a enfrentar os deles.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

11. Apenas um termo

Imagem de Enrico Elle, retirada de Carla Arismendi Unger

  Quando se envelhece, tudo muda. Você aposenta, passa o dia em casa fazendo nada, vivendo no ócio na reflexão de se viverá amanhã. Minha sorte é que tenho Elora, minha filha. Linda garota com seus quatro anos, transmite alegria aos meus dias e me dá motivos para permanecer vivo. As pessoas me perguntam: "E sua família?"
   A única que me resta é Elora.
   Ela é muito esperta e muita atenta comigo. Se ela me ver triste, logo vem radiante pra me chamar pra passear no parque, ela sabe que a brisa e o cantar dos pássaros me alegram. É como se eu entrasse em um outro mundo, um lugar tranquilo, único, longe do barulho caótico de gente nervosa da cidade grande.
   Nunca esquecerei... Foi num sábado. Sim. Sábado, dia oito de Novembro. Estava andando com minha filha em direção à padaria. O ar estava denso, me senti sufocado a cada passo. Paramos na faixa de pedestre e começou a chover, lembro que Elora choramingou e beijou a minha mão. Meu coração embrulhou. Um som estridente ecoou, como se um monstro estivesse chegando em alta velocidade para me atacar. Soltei Elora e gritei para ela fugir. Depois, só me lembro de murmúrios e do choro preocupado de minha filha e logo adormeci.
   Eu já vi de tudo e não há nada mais pra ver, a vida fica mais fácil quando se vê nada, a vida é mais suportável quando se resume a sons, vira quase que um musical.
   Acordei com um "beep" constante... Já nem sei se "acordei" é a palavra certa para mim. Clamei por Elora, minha estrela-guia, minha filha. Desesperados, os médicos vieram e me disseram para me acalmar. Falei que minha filha estava junto comigo na hora do acidente e eu não a sentia mais perto de mim agora. Um silêncio tomou conta do local. Logo eles falam as palavras mais cortantes que já escutei na vida:
   "Mas não tinha ninguém contigo... Ah. Enquanto dirigíamos a ambulância, uma brava cachorra nos perseguiu por um longo caminho até se perder na estrada. Mas queríamos saber se o senhor tem alguma família para chamar?"
    Elora era minha única família. Agora não me resta mais ninguém. O que é "família" ? O que antes era união e amor, um lar, hoje é só um termo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

10. Amei mais de mil de você



Toda vez que você viaja para o passado, o seu corpo morre no tempo presente para sua consciência viajar e se infiltrar num clone temporal seu.

Eu sempre fui apaixonado por Gabriela, mas nunca tive coragem de falar com ela por medo de fazer algo de errado e perdê-la para sempre. Assim, criei uma máquina do tempo. Falei com ela e perguntei qual era o seu lugar favorito, voltei no tempo e a levei nesse lugar no primeiro encontro, foi assim que a conquistei.

Dei os melhores presentes de aniversário, a dei o casamento dos sonhos, descobri o diagnóstico de câncer com antecedência de sua mãe e consegui tratamento a tempo de salvar sua vida, dei a viagem dos sonhos logo após que ela foi promovida. Sempre soube as escolhas certas para subi na vida e ter uma vida de luxo - mas tudo sempre foi uma mentira cheia de dor e sofrimento.

Um dia soube das consequências da viagem do tempo e parei para pensar o que as Gabrielas que deixei para trás sofreram. Morri nos aniversários, morri dias antes do casamento, morri dias antes de sua mãe morrer de câncer, morri quando ela foi promovida, morri mais de mil vezes para mil Gabrielas diferentes.

Arrependido, deixei um presente e uma carta para ela e fugi para o meu próprio limbo. Na carta eu falava de tudo que fiz e tudo que perdi tentando ser o marido perfeito, todo meu arrependimento. Na carta pedi para que ela não abrisse a caixa sem antes imaginar o que havia dentro. Uma caixa fechada possui várias realidades existindo ao mesmo tempo, a partir do momento que você não sabe o que há dentro dela, tudo pode existir dentro dela. O que ela imaginasse seria a essência do que ela achava de mim.

"Imaginei que havia nada dentro da caixa, não que você seja nada para mim, mas você não é o Felipe que quis conhecer. Se o perfeito não é real, você é utópico. Uma pessoa é projetada através de seus defeitos e era nisso que quis me apaixonar, no que me apaixonei em você? Obrigada pela escolha de voltar no tempo, se isso faço, é para destruir essa máquina e fazer com que uma Gabriela conheça VOCÊ com toda vulnerabilidade. Por essa escolha madura, você se torna sim o melhor marido do mundo."

Sorri. Pois ela achou uma maneira de depois voltar para mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

9. Declínio da falocracia

Imagem de Ham Piglet


15 de Outubro de (não sei mais que ano é esse): 20h31
O mundo acabou, tudo virou um extenso deserto de desespero, solidão e miséria. Me pergunto quais foram os meus feitos e sucessos, o que eu fiz? Passei a minha vida no meu quadrado, vivendo com dinheiro fácil, sexo, drogas, na luxuosa vida de ser excluída da sociedade. É engraçado como os brancos, héteros de olhos azuis da grande elite eram o que pagavam mais pelos meus serviços. Mais engraçado ainda é o fato de que a sedução do meu corpo os enganavam de quem eu realmente era.

15 de Outubro de (não importa que ano é esse): 20h50
Estou numa cabana. Espero pela chegada dos saqueadores, eles estão vindo para terminar de roubar todos os meus pertences: minha vida, minha resiliência e minha coragem. Meu pai não me entendia quando eu era criança, eu não era o menino dos sonhos dele, apenas tinha corpo de um. Foram cinco anos de trabalho para conseguir minha cirurgia e ser quem realmente nasci para ser, porém, a partir desse dia, perdi toda minha utilidade no patriarcado. As mulheres sofriam com o machismo, eu sofri de esquecimento, vítima da vida marginal.

15 de Outubro de 0001: 22h22
Os homens chegaram. Estou escondida no armário. Revirando a minha cabana para puxar o gatilho na minha cabeça. Não, não me arrependo das minhas escolhas, não me arrependo de ter sido corpo estranho no organismo da falocracia. Ainda bem que eu não era importante para esse tipo de sistema. Não preciso de homem pra ser feliz, só precisei do dinheiro deles. Lutei e vivi ao máximo para ter a vida que sempre quis no âmbito da vida dos renegados e vivi bem e cá estou. Vivi meu apocalipse antes mesmo d'eu ter meu gênese e agora trilho no meu êxodo.

Bang! Bang! Bang!

Hoje, não preciso dos homens, nem de seu dinheiro de sangue, roubo o que eles roubaram de mim. Minha dignidade e minha honra. Roubo o que lhes dão a força, a masculinidade. Adeus, falocracia! Agora, anatomicamente, homens, estamos iguais.