sexta-feira, 25 de setembro de 2015

5. O puro instinto carnal


Pintura de Rodrigo Silva

Três dias à deriva. O barco é pequeno, só há eu, irmã Lucrecia e um eterno tapete azul navegador. Sinto fome, sede, desespero, medo, meu rosto secar e minha líbido me consumir. A comida acabou, a água é só a do mar, as noites estão extremamente geladas, não há outra cor além do azul por quilômetros em direção ao horizonte e a freira é casada com Cristo. Não sei se morro logo, se espero inerte pela morte ou se persisto e morro mais tarde.

A loucura embarcou no quarto dia. Os olhos verdes de Lucrecia me deixavam com ojeriza, dentro deles eu via todos os desejos carnais circulando na mente dela e no reflexo de seus glóbulos, eu me via. Porém, seu corpo santo aprisionava tudo que era de impuro e que, ao meu ver, precisava se libertar. Suas palavras se direcionavam ao divino e as minhas não passavam de um monólogo onde só eu escutava.

Minha visão já estava perturbada no quinto dia. Eu via Lucrecia, santa, ajoelhada em milho, rezando por resgate num momento, no outro, eu via Lucrecia de lingerie clamando por um resgate mais interno. Delírio. Miragem. Meus instintos carnais aflorados. Eu precisava consumir aquela mulher. Mas iria valer a pena? Qual a punição pra quem suja a alma de um freira?

No sexto dia, minha persona selvagem entrou em cena. Era sobrevivência ou morte. Tudo ou limbo. Com uma lasca solta do barco na minha mão, me impulsionei em direção a Lucrecia. Lentamente ela abriu os seus olhos e eu vi o desespero e a sua certeza de que era o fim. Num movimento de 180º, deferi um golpe certeiro no seu olho direito. Seu grito de dor era como apunhaladas. Logo, deferi o golpe fatal no seu olho esquerdo. Silêncio. Levantei vitoriosa e livre sob o mar de sangue. Agora, no barco, só há uma.

Afinal das contas. Eu nunca quis ser freira.

No sétimo dia, eu fui resgatada por um navio que navegava por perto. No sétimo dia, Lucrecia descansou.



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